Um dos pilares da governança corporativa (corporate governance)
é a separação entre propriedade e gestão. Essa expressão
anglo-saxônica envolve a
organização e a repartição dos poderes de gestão no seu seio, em
particular nas empresas cotadas em bolsas de valores, e expressa o
desejo de reforma (Ruiz, 2004, apud Rodrigues 2008). A tradução da
expressão para os diferentes idiomas nem sempre foi consensual.
Contudo, é percebida a necessidade de um conjunto de recomendações
mínimas em matéria de organização do poder nas empresas, com a
finalidade de provomover a lealdade, a transparência, o controle e a
responsabilidade. Ou seja, as regras de gestão de uma empresa devem
ser conhecidas e os riscos do negócio devem estar sob controle
(Ledouble, 1999, Ruiz, 2005, apud Rodrigues, 2008).
A governança corporativa1
distingue-se da gestão empresarial (management).
Pois esta refere-se às relações entre os gestores e os seus
subordinados (Cannac et Godet, 2001, apud Rodrigues2,
2008), o funcionamento das organizações e os seus resultados,
pórem, são afetados indiretamente pelo corporate
governance. É o governo do
governo, onde: a
governação define
uma relação de poder; o governo
é o exercício operacional desse poder; a governabilidade
é a medida deste poder sobre os sistemas a que se refere (Cannac et
Godet, 2001, apud Rodrigues, 2008).
No âmbito jurídico, o corporate
governace repousa em leis em
sentido formal e em regulamentos, atinentes às matérias de direito
societário e de direito dos valores mobiliários (empresas cotadas
em bolsa de valores). Mas de outro lado – sendo esta a sua gênese
–, releva o denominado soft law,
ao envolver normas sociais destituídas de sanção jurídica, tais
como normas deontológicas, recomendações e regras de boa conduta
(Lutter, 2001; Licht, 2011, apud Câmara, 20123).
E é precisamente neste âmbito que encontramos os códigos de
governança corporativa (corporate governance codes,
corporate governance Kode), que
podem definir-se, em sentido amplo, como “os conjuntos
sistematizados de normas de natureza recomendatória respeitantes ao
bom governo das sociedades” (Câmara, p. 13, 2012). Assim, de um
lado estão as normas jurídicas relativas ao governo societário,
v.g. sobre
administração de sociedades, direitos dos acionistas, deveres de
informação e transações sobre o controle, etc., que por
conseguinte, poderão ser completadas com as normas “privadas” de
governo das sociedades – decorrente do caráter da liberdade
econômica e organizacional das empresas.
Neste contexto, a vontade de aperfeiçoar os mecanismos de governança
corporativa foi confrontada com a necessidade de conciliar as
exigências de regulação jurídica com as necessidades e de
flexibilidade e discricionariedade típicas da gestão. Tal levou ao
movimento das “recomendações” de governo das últimas décadas
(nomeadamente o Model Business Corporation Act nos EUA
e o Cadbury Report no Reino Unido). Este movimento acabou por
conhecer uma forte expansão em resultado de episódios marcantes de
falências de sociedades cotadas que, na sua gênese, apresentavam
problemas de governança. Durante muito tempo, a resposta a estes
episódios foi suportada na convicção de que as recomendações de
governo aprovadas em torno de princípios consensuais de boa
governação, associadas à divulgação da sua adoção ou não
(comply or explain), seriam suficientes para tutelar os
diversos interesses em causa.
De outro lado, escândalos como a Enron e a Worldcom acabaram
por levar ao acentuar de uma nova tendência no âmbito da governança
corporativa. Dada a inefetividade das recomendações, os
legisladores promoveram uma ampla conversão em regras jurídicas
vinculativas muitas das práticas que até então eram meras
recomendações (a aprovação da Lei Sarbanes-Oxley em 2002
constitui marco de viragem e que teve reflexos também na União
Europeia com a reforma do direito comunitário relativo aos mercados
financeiros e às sociedades empresariais).
Apesar desta tendência mais intervencionista4,
continua-se a reconhecer a existência de um espaço próprio para a
adoção de recomendações de boas práticas de governança, as
quais, não sendo obrigatórias, implicam que as sociedades tomem uma
posição sobre elas.
Assiste, por conseguinte, a emergência recente do tema como objeto
de estudo académico e de interesse geral da Sociedade. O tema do
corporate governance emerge em meados da década de setenta,
coincidindo com a globalização financeira, a qual remonta à
viragem da década de 1970-80, e pode ser explicada pelas mudanças
radicais do ambiente macroeconómico, em especial o papel
desempenhado pelas políticas governamentais neoliberais que se
generalizaram nos países industriais – o Estado mínimo.
1O
Brasil adotou a tradução da designação corporate
governance
para o termo “governança corporativa”. Em Portugal designa-se
“governo das sociedades” ou “governação das sociedades”.
Há no Brasil um instituto que coordena a pesquisa e fomenta as boas
práticas de governança corporativa, trata-se do Instituto
Brasileiro de Governança Corporativa:
http://www.ibgc.org.br/Home.aspx
2Cfr.
RODRIGUES, Jorge. Corporate governance: uma
introdução, Edições Pedago: Mangualde, 2008.
3Cfr.
CÂMARA, Paulo [et al]. O Governo das Organizações, Editora
Almedina: Coimbra, 2011; Código do Governo das Sociedades
Anotado, Editora Almedina: Coimbra, 2012.
4Para
além dos acervos legais, estatutários ou regulatórios –
caracteristica normativa das sociedades - , existe dentro destes
limites, uma ampla liberdade de conformação objetivando o
interesse societário, pelo que os diversos agentes, a quem são
conferidas responsabilidades corporativas, acabam por marcar a
específica governação de uma sociedade.
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